Biochar é um recurso promissor para a agricultura e pecuária, reduzindo emissões, melhorando solos e aumentando a eficiência produtiva
Você já ouviu falar em biochar ou biocarvão? Sabia que esse produto pode ser uma alternativa bastante eficaz para o sequestro de carbono na agricultura e na pecuária?
Pois saiba que, além de ser uma opção de remoção de carbono reconhecida cientificamente, o biochar também é uma solução baseada na natureza (NBS – Nature-Based Solution, práticas que utilizam processos naturais para enfrentar desafios ambientais). Isso pode proporcionar outros diversos benefícios ambientais e contribuir significativamente para a mitigação das emissões de gases do efeito estufa (GEE).
Quer entender como o biochar funciona na prática? Esse material tem ganhado destaque em pesquisas e projetos sustentáveis, como os desenvolvidos pela equipe do CCARBON/USP. Continue a leitura e descubra como essa tecnologia transforma resíduos orgânicos em aliados do solo, do clima e da produção agrícola.
Biochar: O que é e Quais São as Principais Biomassas Utilizadas na Sua Produção
O biocarvão, ou biochar, é um material sólido com alto teor de carbono, obtido a partir da pirólise da biomassa. Esse processo consiste no aquecimento da matéria orgânica em altas temperaturas, sem oxigênio, quebrando suas moléculas e reorganizando as ligações químicas. O processo resulta em três produtos: biochar (fase sólida), bio-óleo (fase líquida) e gás de síntese (fase gasosa), todos com potencial de reaproveitamento energético. O diferencial do biochar em relação ao carvão vegetal está em seu uso agrícola, como corretivo de solos que melhora a produtividade. Além disso, contribui para mitigar as mudanças climáticas, ao evitar que a biomassa se decomponha rapidamente e libere gases de efeito estufa, como CO₂ e CH₄.
Diversos tipos de biomassa podem ser utilizados como matéria-prima para a produção de biochar, especialmente resíduos agrícolas e biossólidos. No contexto brasileiro, destacam-se materiais como palhadas de cana-de-açúcar, milho e cereais. Além de cascas de café, soja, coco e amendoim; além de cachos de frutas como palma, macaúba e açaí. Outros exemplos incluem resíduos florestais e materiais lignocelulósicos diversos, como folhas, bagaços, estrumes e cavacos. A utilização desses resíduos não apenas dá um destino útil a subprodutos da agroindústria, como também contribui para práticas de agricultura regenerativa e economia circular.
Biochar na Agricultura: Redução de Gases Nocivos e Aumento da Captação de Carbono
Na agricultura, o biochar tem sido estudado por reduzir as emissões de óxido nitroso (N₂O), um potente GEE associado ao uso de fertilizantes nitrogenados. Um estudo recente investigou os efeitos de diferentes tipos de biochar em solos tropicais cultivados com cana-de-açúcar. Os materiais foram produzidos a partir de resíduos de cana, Pinus e Eucalyptus.

Microscopia eletrônica de varredura do biochar de pinus utilizado no experimento, com uma lente de ampliação de 5000x. (Foto: Fernanda Palmeira Gabetto)
Os resultados mostraram redução de 25% a 50% nas emissões de N₂O, comparado ao uso isolado de fertilizantes. Além disso, o biochar favoreceu o acúmulo de carbono no solo, promovendo maior sequestro de CO₂ da atmosfera e melhor saúde do solo. As evidências do estudo mostram que o biochar pode ser uma ferramenta promissora para tornar a agricultura mais sustentável em regiões tropicais.
“Além do sequestro de carbono, o biochar pode ser elencado como uma forma de reduzir as emissões de difícil abatimento, como é o caso do N₂O, que vem dos fertilizantes nitrogenados.” (Dr. João Luis Nunes Carvalho, pesquisador do CNPEM e do CCARBON/USP).
Propriedades do Biochar e Impactos na Microbiota do Solo
Além desses benefícios mais conhecidos, o biochar também pode influenciar a vida que existe no solo, como as bactérias, os fungos e outros microrganismos. Pesquisas mostram que, quando o biochar é adicionado ao solo, é comum ver um aumento na quantidade e na diversidade desses microrganismos. Isso ocorre porque o biochar oferece poros para abrigo, altera o pH e libera nutrientes e compostos orgânicos que favorecem os microrganismos
Apesar disso, ainda não entendemos totalmente como o biochar afeta essa vida microscópica. A maioria dos estudos foi feita em solos já degradados. Ainda se sabe pouco sobre os efeitos do biochar em solos mais “crus”, como os argilosos. Esses solos têm baixa permeabilidade e pouca aeração, o que prejudica o desenvolvimento de plantas e microrganismos. É importante descobrir a melhor quantidade de biochar para aplicar nesses casos. Assim, podemos entender como ele melhora o solo e a atividade microbiana. Entender melhor esses efeitos pode fazer toda a diferença para usar o biochar de forma mais eficiente na agricultura e na recuperação de áreas degradadas.
Biochar na Pecuária: Redução das Emissões de Metano
O metano (CH₄) é um dos principais gases de efeito estufa associados à pecuária, resultante do processo digestivo dos ruminantes. Estudos demonstram que a adição de biochar na alimentação animal pode reduzir significativamente essas emissões. A professora Yosra Soltan, da Universidade de Alexandria, lidera o projeto Mitigating Livestock Greenhouse Gas Emissions, que pesquisa estratégias naturais para reduzir metano na pecuária.
Seus estudos mostraram que suplementar a alimentação animal com biochar reduziu as emissões de metano em até 20% e aumentou a produção de leite em 12%. Essa estratégia não apenas minimiza impactos ambientais, mas também melhora a produtividade e a sustentabilidade da atividade pecuária. As descobertas renderam o Prêmio PRIMA Woman Greening Food Systems, destacando seu impacto na pecuária sustentável, especialmente para pequenas produtoras rurais.
Biochar: uma estratégia eficaz frente aos desafios climáticos
O biochar vem se consolidando como uma importante ferramenta na luta contra as mudanças climáticas, especialmente por seu papel na remoção de carbono da atmosfera. O Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) reconheceu que apenas reduzir emissões de GEE não será suficiente para conter o aquecimento global. Para limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C, será necessário adotar também estratégias eficazes de remoção de carbono da atmosfera.
Nesse cenário, o biochar se destaca como uma solução baseada na natureza (NBS), capaz de capturar carbono de forma estável e gerar benefícios ambientais. Na agricultura, melhora a qualidade do solo, reduz emissões de N₂O e estimula a microbiota benéfica. Na pecuária, sua inclusão na alimentação animal pode diminuir as emissões de metano e aumentar a produtividade. Com base em evidências científicas, o biochar se consolida como uma estratégia eficaz, acessível e promissora para mitigar os impactos climáticos no setor agropecuário.
Potencial do Biochar na Remediação de Solos Contaminados
Além dos benefícios na agricultura e pecuária, o biochar também se destaca como uma alternativa para a remediação de solos contaminados por metais pesados. Devido à sua alta área superficial, capacidade de troca catiônica e presença de grupos funcionais, o biochar pode imobilizar contaminantes e reduzir sua biodisponibilidade.
Essa aplicação é especialmente relevante em áreas impactadas por mineração, atividades industriais ou uso excessivo de fertilizantes e pesticidas. O tipo de biomassa utilizada e as condições de produção do biochar influenciam diretamente sua eficiência na remediação ambiental. A temperatura de pirólise, por exemplo, pode influenciar diretamente no uso e na eficiência do biochar. Diferentes temperaturas de pirólise resultam em propriedades variadas do material, impactando sua capacidade de absorção e imobilização de contaminantes.
A recuperação de áreas contaminadas é fundamental para a adaptação às mudanças climáticas, ajudando na regeneração dos ecossistemas e na melhoria da qualidade do solo. Solos contaminados muitas vezes liberam gases de efeito estufa devido à degradação dos nutrientes e à perda de capacidade de retenção de carbono. A recuperação dessas áreas, por meio de práticas como o uso de biochar, ajuda a sequestrar carbono e a reduzir essas emissões.
Referências:
Gabetto, F. P., Tenelli, S., Netto-Ferreira, J. B., Martins Junior, J., Almeida, O. A. C., Cosenza, M. L., Strauss, M., & Carvalho, J. L. N. (2025). Biochar from crop residues mitigates N2O emissions and increases carbon content in tropical soils. Biofuels, Bioprod. Bioref., 13(1), 1-12. https://doi.org/10.1002/bbb.2734
Grossman, J.M., O’Neill, B.E., Tsai, S.M. et al. Amazonian Anthrosols Support Similar Microbial Communities that Differ Distinctly from Those Extant in Adjacent, Unmodified Soils of the Same Mineralogy. Microb Ecol 60, 192–205 (2010). https://doi.org/10.1007/s00248-010-9689-3