Com base no inventário de emissões, o Brasil pode traçar caminhos mais eficazes para a transição climática
Quando falamos em inventário de emissões de gases de efeito estufa (GEE), estamos nos referindo a um levantamento sistemático que quantifica essas emissões. Em alguns casos, além das emissões, o levantamento também considera as remoções dos GEE da atmosfera. Essas emissões e/ou remoções são geradas por atividades humanas em um determinado território, setor ou organização. Oficialmente, elas são quantificadas por um período específico que, geralmente, corresponde a um ano.
O inventário de emissões de GEE é parte integrante da Comunicação Nacional do Brasil à Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (CN). Essa comunicação refere-se a um relatório oficial que é submetido periodicamente por países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC).
Compreender esse processo é essencial para acompanhar os compromissos climáticos globais.
Então, para que serve um inventário de emissões de gases do efeito estufa?
O inventário de emissões é considerado um instrumento fundamental para a transparência e o monitoramento das metas climáticas definidas no âmbito da UNFCCC. Com ele, é possível acompanhar o progresso rumo às metas de redução de emissões previstas no Acordo de Paris. Por isso o inventário serve também de base para a formulação de políticas públicas voltadas ao clima.
Portanto, o inventário é indispensável para:
- Monitorar o impacto climático de atividades humanas;
- Demonstrar transparência e responsabilidade ambiental (empresas, governos, universidades etc.);
- Identificar oportunidades de redução de emissões
- Planejar políticas públicas e ações de mitigação;
- Atender compromissos internacionais, como o Acordo de Paris.
Elaborar e atualizar inventários de emissões de GEE fortalece a base de conhecimento necessária para tomadas de decisão mais eficazes. Além disso, orienta estratégias de mitigação alinhadas a metas globais e contribui para uma trajetória de desenvolvimento mais sustentável e responsável.
“Os inventários são peças fundamentais para a formulação de políticas públicas — são, inclusive, a base do Plano Clima em desenvolvimento. Além do poder público, outros atores, como o setor produtivo, também têm buscado essas informações para planejar ações e atender suas próprias demandas.” (Stoécio Malta Ferreira Maia, professor do IFAL e membro científico do CCARBON/USP)
O que é medido em um inventário de emissões?
O inventário considera, principalmente, os seguintes GEE:
- Dióxido de carbono (CO₂) – principal gás liberado pela queima de combustíveis fósseis;
- Metano (CH₄) – associado principalmente à agropecuária, ao cultivo de arroz irrigado e ao manejo de resíduos.
- Óxido nitroso (N₂O) – emitido, principalmente, pelas atividades agrícolas.
- Gases industriais: como os HFCs, PFCs e SF₆, usados em processos industriais e sistemas de refrigeração.
Conhecer os principais gases medidos no inventário ajuda a direcionar esforços de controle em setores estratégicos. Também, essa compreensão permite aprimorar as medidas de mitigação de forma específica e eficiente.
Como o inventário de emissões é feito?
Os inventários de emissões de GEE seguem metodologias padronizadas desenvolvidas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC). O objetivo é fornecer estimativas detalhadas das emissões e remoções desses gases por fonte e por setor. Tais setores incluem energia, agricultura, processos industriais, resíduos e uso da terra.
O processo envolve várias etapas. Inicialmente são identificadas as fontes de emissão, como o transporte, o consumo de energia, a agropecuária, os resíduos e as atividades industriais. Em seguida, são coletados os chamado “dados de atividades”. Essas informações indicam o volume ou intensidade de cada atividade, por exemplo, a quantidade de diesel consumida ou o número de cabeças de gado.
Com esses dados em mãos, aplica-se um “fator de emissão”. Esse fator estima o quanto de GEE é liberado por unidade de atividade, como quilos de CO₂ por litro de combustível. A partir disso, calcula-se o total de emissões. Por fim, todas as informações são registradas e passam por processos de verificação para garantir a transparência e a qualidade dos resultados.
Exemplos de inventários de emissões
Existem diferentes tipos de inventários de emissões. Eles variam conforme a escala e o responsável pela elaboração:
- Inventário Nacional de Emissões: feito pelo governo brasileiro e publicado periodicamente na Comunicação Nacional à ONU. Este inventário contabiliza emissões de todo o país e serve para monitorar o progresso do Brasil em relação às metas climáticas internacionais;
- Inventários estaduais e municipais: diversas unidades federativas e cidades brasileiras também elaboram seus próprios inventários para identificar e gerenciar emissões em suas regiões. Esses documentos ajudam a orientar políticas públicas locais e estratégias ambientais específicas;
- Inventários corporativos: empresas produzem inventários próprios para medir suas emissões de GEE, especialmente aquelas comprometidas com a sustentabilidade. Esses inventários são frequentemente divulgados em relatórios de sustentabilidade, promovendo transparência e responsabilidade ambiental no setor privado.
Situação global das emissões de GEE
Segundo o Banco de Dados de Emissões para Pesquisa Atmosférica Global (EDGAR) as emissões de GEE vêm crescendo de forma contínua desde o início do século XXI. Esse aumento tem sido impulsionado principalmente pelas emissões de CO₂ fóssil provenientes da China, Índia e outras economias emergentes. De acordo com o relatório, em 2023 as emissões globais de GEE aumentaram 1,9% em relação a 2022, atingindo 53,0 Gt CO₂eq. O CO₂ fóssil representou 73,7% do total, seguido por CH₄ (18,9%), N₂O (4,7%) e gases fluorados (2,7%). A partir de 1990, o aumento de CO₂ fóssil foi de 72,1%, enquanto CH₄ e N₂O atingiram 28,2% e 32,4%, respectivamente e os gases fluorados quadruplicaram (+294%).
Em 2023, os maiores emissores globais de GEE foram China, Estados Unidos, Índia, União Europeia e os 27 países que a compõem (UE27), Rússia e Brasil. Juntos esses países concentraram 62,7% das emissões globais. Nesse grupo, China, Índia, Rússia e Brasil aumentaram suas emissões em relação a 2022. A Índia recebe destaque com maior crescimento proporcional (+6,1%), e a China, com o maior aumento absoluto (+784 Mt CO₂eq). Por outro lado, a UE27 reduziu suas emissões em 7,5% no mesmo ano, alcançando um volume 33,9% inferior ao de 1990. Seis dos 17 países que emitem mais de 1% dos GEE globais reduziram suas emissões em 2023: EUA, UE27, Japão, Coreia do Sul, Alemanha e Paquistão.
Perfil de emissões de GEE no Brasil
A 4ª Comunicação Nacional (CN), publicada em 2020, indicou que as principais fontes de emissão no Brasil correspondem a atividade agropecuária, energia e mudança de uso da terra. A participação do setor energético se dá, sobretudo, em função da queima de combustíveis fósseis no transporte e na indústria. Já os setores de processos industriais e resíduos respondem por parcelas menores, mas importantes para o monitoramento e para estratégias de mitigação específicas. Além da CN, o Brasil divulga estimativas de emissões e remoções de GEE a cada dois anos, sendo a última publicada em 2022. O relatório indicou participação de 38,0% da agropecuária, 28,5% do setor energético e 23,2% da mudança de uso da terra nas emissões totais do país.
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SAIBA MAIS
As emissões brasileiras de GEE no setor agropecuário são predominantemente resultantes da fermentação entérica dos ruminantes como principal fonte de metano (CH₄). Essa atividade representa mais de 90% das emissões desse gás na agropecuária. O manejo de dejetos animais também contribui para as emissões de CH₄ e N₂O. O cultivo de arroz irrigado também emite ambos os gases, devido às condições alagadas que favorecem a atividade de microrganismos metanogênicos.
Outras fontes importantes de N₂O estão ligadas ao uso de fertilizantes sintéticos e orgânicos, ao manejo de solos agrícolas, à mineralização de nitrogênio e à decomposição de resíduos agrícolas. Já o CO₂ é emitido em menor escala no setor, com destaque para a aplicação de ureia e calcário. Com esses dados, podemos perceber a complexidade das fontes agrícolas de emissão no Brasil. Isso ressalta a necessidade de adotarmos estratégias diferenciadas para mitigar os impactos climáticos do setor.
Repensando o desenvolvimento: reflexões a partir das mudanças do clima
Diante das mudanças climáticas, o conceito de progresso e desenvolvimento no campo precisam ser revistos. Enquanto no passado se buscava ampliar fronteiras agrícolas, o desafio hoje é produzir mais com menos impacto ambiental. A recuperação de áreas já abertas e adoção de práticas que regenerem ecossistemas são caminhos promissores para aumentar a produtividade e promover o sequestro de carbono. Boas práticas agropecuárias e a adoção de sistemas integrados (como ILPF) podem contribuir substancialmente com a redução de emissões de GEE.
Para que essa transformação seja eficaz, é essencial apoiar produtores com assistência técnica, crédito e acesso à inovação. Além disso, é importante que o Brasil continue aprimorando suas estimativas de emissões e fortalecendo os sistemas de reporte e comunicação. Isso garante mais transparência e credibilidade nos compromissos climáticos. Ao integrar essas ações, a agropecuária brasileira pode ser protagonista de um novo modelo de desenvolvimento – mais resiliente, regenerativo e alinhado aos desafios atuais.
Referências
EDGAR (2024) – Global GHG Emissions of All World Countries: levantamento global atualizado com dados até 2023, detalhando emissões por país, setor e gás. Disponível em: arxiv.orgessd.copernicus.org+5edgar.jrc.ec.europa.eu+5reddit.com+5 Acesso em 24 jun. 2025.
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Estimativas Anuais de Emissões de Gases de Efeito Estufa. Disponível em: https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/sirene/publicacoes/estimativas-anuais-de-emissoes-gee Acesso em 03 jul. 2025.
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Comunicações Nacionais do Brasil à UNFCCC. Disponível em: https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/sirene/publicacoes/comunicacoes-nacionais-do-brasil-a-unfccc Acesso em 03 jul. 2025.
Autoria: Juliana Ramiro, CCARBON/USP
Ramiro, J. O Papel do Inventário de Emissões de Gases do Efeito Estufa no Brasil. CCARBON/USP, 2025. Available at: <LINK>. Acesso em: DATA