Boas Práticas para uma Pecuária mais Sustentável

Tecnificação das pastagens e manejo inteligente são caminhos para reduzir as emissões sem comprometer a produção

A pecuária brasileira ocupa uma posição de destaque na economia nacional, sendo uma das principais fontes de renda do agronegócio no país. No entanto, a produção de carne bovina enfrenta críticas devido aos seus impactos ambientais. Alguns pontos que recebem destaque são as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e o desmatamento.

Estudos recentes destacam que um dos principais problemas da pecuária no Brasil é a falta de aplicação técnica adequada. Dessa forma, planejamentos ineficientes na genética, dieta do animal ou manejo da pastagem, podem comprometer a sustentabilidade ambiental e a competitividade econômica da produção.

De acordo com um artigo publicado na revista Environmental Science and Pollution Research, a produção de carne bovina no Brasil emite altos níveis de GEE. Da forma como é conduzida atualmente, essa produção emite mais do que o dobro do limite necessário para cumprir as metas ambientais definidas pelo Brasil. Essas metas fazem parte da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), compromisso assumido no Acordo de Paris para conter o aquecimento global.

Segundo o mesmo artigo, as emissões do setor podem variar de 0,42 a 0,63 gigatonelada de CO2 equivalente (GtCO2e) até 2030. Porém, o limite para atender à NDC seria de 0,26 GtCO2e. Entretanto, reduzir a produção de carne não é uma solução simples e viável.

O consumo de alimentos aumenta com o crescimento populacional, e o setor da pecuária é crucial para a economia do país. Portanto, as pesquisadoras destacam que o manejo inadequado da produção animal é um dos principais fatores que contribuem para as altas emissões. Assim, a principal forma de reduzir o impacto ambiental da pecuária é investir em tecnologias que tornem as pastagens mais eficientes e sustentáveis.

Integração e Padronização: Soluções para Reduzir Emissões na Pecuária

Um estudo publicado na revista Journal of Cleaner Production, destaca que práticas agrícolas sustentáveis podem mitigar significativamente as emissões de GEE. A pesquisa analisou sistemas como plantio direto, pastagens bem manejadas e integrações lavoura-pecuária-floresta com medições diretas dos principais gases que compõem os GEE. Dentre estes, destacam-se o dióxido de carbono (CO₂), o metano (CH₄) e  óxido nitroso (N₂O).

Os resultados mostram que sistemas integrados e intensificados sequestram mais carbono no solo e reduzem emissões, especialmente em comparação com monoculturas extensivas. O estudo alerta para a falta de padronização nas metodologias, dificultando estimativas confiáveis de emissões líquidas e comparação entre diferentes sistemas agrícolas.

Sem métodos consistentes, esses sistemas não se qualificam para programas de certificação ou para o mercado de carbono. A pesquisa revela ainda que as medições utilizadas nas metodologias atuais variam em unidades, têm baixa repetibilidade e carecem de dados auxiliares essenciais.  Essas falhas comprometem a comparação dos resultados e a avaliação do impacto climático das práticas adotadas.

Segundo a pesquisa, a maioria dos estudos ocorre no Sul e Sudeste, deixando lacunas importantes nos biomas Cerrado, Amazônia e Caatinga. Essa distribuição desigual limita a compreensão dos fluxos de GEE em diferentes regiões e condições edafoclimáticas.
O estudo recomenda ampliar as medições de CO₂, CH₄ e N₂O em campo e padronizar métodos para garantir dados robustos e comparáveis.

A Necessidade de Transformação no Manejo na Pecuária

No ano de 2024, os valores de exportação foram superados mensalmente, batendo o recorde de exportação de carne bovina. Foram ao todo 2,89 milhões de toneladas, 26% a mais que em 2023.

Entretanto, para garantir a competitividade a longo prazo, o setor precisa adotar estratégias que reduzam os custos ambientais e promovam práticas de manejo sustentável. Entre essas ações estão: quantificação da emissão de metano; influência da genética animal; manipulação do rúmen e da dieta; além do manejo adequado das pastagens.

Quantificação da Emissão de Metano (CH₄)

A estimativa de emissão de metano na produção animal pode ser realizada por diversas técnicas, que variam em custo, precisão e infraestrutura necessária. Os métodos tradicionais incluem predições indiretas, baseadas na dieta dos ruminantes, como ensaios in vitro. Também envolvem medições diretas feitas em animais confinados ou em campo aberto.

A técnica de fermentação in vitro (TFI) é amplamente utilizada para prever emissões de CH₄, incubando alimentos com fluido ruminal em condições anaeróbicas. Durante o processo, medem-se o volume de gás produzido, nitrogênio amoniacal (NH₃-N), ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) e degradabilidade da matéria orgânica (DMO). Contudo, os resultados in vitro podem divergir dos obtidos in vivo devido à adaptação microbiana.

Para medições diretas em animais confinados, a câmara respiratória é considerada o padrão-ouro, oferecendo alta precisão. Em sistemas de campo, métodos menos invasivos, como o uso de hexafluoreto de enxofre (SF₆), permitem monitoramento contínuo.

O sistema GreenFeed, por exemplo, atrai os animais para uma câmara portátil para medição periódica. Modelos matemáticos empíricos e dinâmicos também são utilizados para estimar CH₄ com base na ingestão de matéria seca (DMI). Esses modelos são especialmente úteis quando medições diretas de metano não são viáveis.

A fermentação entérica representa 45,5% das emissões globais de GEE na pecuária. Outros fatores incluem alimentação (22,4%), esterco (12,8%), uso da terra (10,9%), processos pós-fazenda (5,4%) e consumo de energia na fazenda (3%).

A escolha da técnica de medição depende do objetivo do estudo, precisão necessária e da infraestrutura disponível.  Também considera o impacto no comportamento animal e a experiência da equipe envolvida.

Influência da Genética Animal

A genética influencia o crescimento de microrganismos acetogênicos, que são aqueles capazes de converter compostos como dióxido de carbono (CO₂) e hidrogênio (H₂) em acetato. Esses microrganismos competem pelo uso do H₂ com outros grupos, como as arqueias. As arqueias, por sua vez, utilizam o H₂ para produzir metano (CH₄), competindo diretamente com os acetogênicos pelo mesmo recurso.

Quando os microrganismos acetogênicos utilizam o H₂ para produzir ácido acético, eles reduzem a disponibilidade desse gás para as arqueias, o que leva à diminuição da produção de metano. Enquanto os acetogênicos contribuem para a redução das emissões de CH₄, o ácido acético gerado pode ser aproveitado como fonte de energia pelo organismo animal.

Estudos com estratégias como o transplante de microbiota ruminal mostram que, após um curto período, a microbiota tende a retornar ao seu estado original. Esse comportamento indica a influência da genética do hospedeiro na composição microbiana. Além disso, animais com maior eficiência alimentar — ou seja, que aproveitam melhor os nutrientes — apresentam menor emissão de metano por unidade de produto.

 

Manipulação do Rúmen e da Dieta

A fermentação ruminal também gera ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), como acetato, propionato e butirato, que participam do metabolismo energético do animal. Além disso, são formados gases (CO₂ e CH₄) e biomassa microbiana, que fornece aminoácidos essenciais.

A quantidade de CO₂ e CH₄ produzida depende do perfil dos AGCC formados. Quanto maior a proporção de butirato e acetato em relação ao propionato, mais H₂ e CO₂ são gerados, favorecendo a produção de CH₄. Esse processo evita o acúmulo de H₂ no rúmen, prejudica a atividade enzimática e o crescimento microbiano e compromete o aproveitamento de nutrientes pelo animal. Portanto, dietas que aumentam a produção de acetato e butirato tendem a elevar a emissão de metano.

Assim, estratégias alimentares que melhorem a qualidade da fibra e aumentem carboidratos solúveis, proteínas e gorduras podem reduzir as emissões. Essas mudanças influenciam o perfil de ácidos graxos e diminuem a produção de H₂ e CO₂, reduzindo também a formação de CH₄.

Manejo de Pastagens

Pastagens manejadas adequadamente podem reduzir as emissões de GEE, especialmente se houver consórcio de gramíneas e leguminosas. Plantas como leucena e amendoim forrageiro melhoram a dieta e promovem maior consumo e produtividade animal.

Em regiões tropicais, árvores nativas oferecem suplementação natural no período seco, reduzindo a produção de CH₄ e promovendo sequestro de carbono no solo. A inclusão de árvores e arbustos também contribui para a saúde animal.  Isso ocorre porque os compostos bioativos presentes em folhas e frutos reduzem parasitas ruminais.

Sistemas Integrados e Pecuária Sustentável

Os sistemas integrados, como os de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), vêm se consolidando como uma abordagem estratégica para a promoção da pecuária sustentável.

Sistemas que integram árvores, pastagens, lavouras e animais aumentam a produtividade, diversificam a renda e diminuem a pressão sobre os recursos naturais de forma sustentável. A diversidade de funções que esses arranjos possuem, favorece o uso mais eficiente do solo e da água. Além disso, contribuem significativamente para o bem-estar animal e para a recuperação de áreas degradadas.

Entre os benefícios ambientais, destaca-se o potencial dos sistemas integrados para o sequestro de carbono e a mitigação das emissões de GEE. Essas características tornam os sistemas integrados aliados no enfrentamento das mudanças climáticas.

A inclusão de espécies forrageiras estratégicas, como Tithonia diversifolia e Chloroleucon acacioides, tem mostrado efeitos positivos no desempenho animal e na sustentabilidade dos sistemas. Além disso, a presença de componentes arbóreos contribui para a regulação do microclima, conservação da biodiversidade e melhoria da qualidade do solo. Tudo isso reforça o papel desses sistemas como soluções baseadas na natureza para uma pecuária mais resiliente e equilibrada.

Ações Conjuntas para um Futuro de Baixa Emissão na Pecuária

A transformação da pecuária brasileira exige um esforço conjunto entre governo, setor produtivo e academia. A adoção de práticas adequadas no manejo pode não só reduzir as emissões de GEE, mas também melhorar a produtividade e a competitividade do setor. Investir na capacitação dos produtores é um passo essencial para que a pecuária brasileira alcance um equilíbrio entre desenvolvimento econômico e sustentabilidade ambiental.

O Plano ABC+ (Plano de Adaptação e Baixa Emissão de Carbono na Agricultura), por exemplo, é uma política pública que busca incentivar práticas  com menor impacto ambiental. No entanto, a adesão dos produtores ainda é baixa, indicando a necessidade de políticas mais abrangentes e incentivos claros.

Referências:

Ovani, V., de Azevedo Olival, A., Morais, V. A., Bertolazi, A. A., da Silva Folli-Pereira, M., Eutrópio, F. J., … & Pereira, S. S. (2025). Achieving net-zero emission through greenhouse gases emissions reduction in animal production. In Agriculture Toward Net Zero Emissions (pp. 347-368). https://doi.org/10.1016/B978-0-443-13985-7.00023-3

da Costa, M. V., Debone, D., & Miraglia, S. G. E. K. (2025). Brazilian beef production and GHG emission–social cost of carbon and perspectives for climate change mitigation. Environmental Science and Pollution Research, 1-14. https://doi.org/10.1007/s11356-025-36022-1


Autoria: Mariana Pezzatte Pollo, CCARBON/USP

POLLO, M. P. Boas Práticas para uma Pecuária mais Sustentável. CCARBON/USP, 2025. Available at: <LINK>. Acesso em: DATA